São frequentes os questionamentos de médicos e familiares sobre a utilização da vacina rotavírus, especialmente no que se refere a sua eficácia e segurança, com particular atenção às crianças com quadros de alergia alimentar, em especial aquelas com diagnóstico ou suspeita de alergia à proteína do leite de vaca (APLV). As Sociedades Brasileiras de Imunizações (SBIm), de Alergia e Imunologia (ASBAI) e de Pediatria (SBP) – através de seus Departamentos Científicos de Imunizações e Alergia – fazem aqui uma breve revisão sobre a doença rotavírus, as vacinas hoje licenciadas e a importância de sua utilização, além de comentários sobre alergia alimentar, com o objetivo de esclarecer e orientar o profissional da saúde, especialmente o pediatra, para adequada orientação.
Sobre o rotavírus
O rotavírus é um grave problema de saúde pública. Segundo a OMS, a infecção por esse agente é a mais comum causa de diarreia em crianças menores de cinco anos em todo o mundo, sendo responsável por aproximadamente 600 mil mortes por ano e 40% das hospitalizações por gastroenterites. Apenas no continente americano, estima-se que ocorram ao redor de 75 mil internações e 15 mil óbitos anualmente relacionados à doença. Atinge tantos países ricos como pobres e em desenvolvimento, sendo, portanto, uma questão mundial com grande impacto na mortalidade e morbidade infantil. Desde 2009, a OMS estabeleceu uma rede mundial de vigilância sentinela de doenças bacterianas invasivas e de rotavírus. O prolongamento para diarreia persistente, não é raro, podendo levar a necessidade do uso de fórmulas especiais o que encarece ainda mais o tratamento, especialmente no âmbito da saúde pública.
Sobre a vacina rotavírus
A vacina é recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e utilizada em 89 países de todos os continentes em seus calendários de vacinação. Existem duas vacinas disponíveis: uma monovalente (Rotarix®/GSK), administrada em duas doses, adotada pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI) do Brasil desde 2006, e outra, pentavalente (RotaTeq®/Merck), com esquema de três doses, disponível somente na rede privada. Inúmeros estudos de efetividade têm demonstrado um grande impacto na redução de hospitalizações e óbitos relacionados a este agente em diferentes cenários epidemiológicos. O maior estudo sobre o impacto da adoção da vacina no Brasil, publicado em 2011 na revista PLoS, demonstra um redução de 40 mil hospitalizações por diarreia aguda entre crianças menores de 5 anos, mesmo em regiões de melhor condição social (ano 2009); – declínio de 22% na mortalidade por diarreia, com cerca de 200 mortes evitadas. Outros estudos já demonstraram que em locais com alta cobertura vacinal há proteção estendida para faixas etárias maiores, incluindo idosos, pela chamada proteção indireta ou “efeito rebanho”.
Em artigo de Costa I et al, publicado no PID em 2016, que avalia as mortes e hospitalizações por diarreia em menores de 5 anos após a introdução da vacina no Brasil, foram observadas: • Diminuição de 20,9% nos óbitos por gastroenterite (GE) em menores de 5 anos • Diminuição de 57,1% nos óbitos hospitalares por GE em menores de 5 anos • Diminuição de 26,6% em hospitalizações por GE em menores de 5 anos • Evidência de efeitos diretos e indiretos Em outro artigo, de Fernandes EG et al, publicado na Vaccine em 2014, que avaliou o impacto da vacinação em hospitalizações por rotavírus em São Paulo, foram demonstradas: • Diminuição de hospitalização por diarreia em 40% em <5 anos • Diminuição de hospitalização por diarreia em 50% em lactentes • Economia de 2 milhões US$/ano para o Estado de SP
Segurança das vacinas rotavírus: monovalente e pentavalente
Os eventos adversos mais comuns das vacinas rotavírus são: irritabilidade, febre, vômitos e diarreia, o que pode ser também atribuído às vacinas que são aplicadas simultaneamente no calendário vacinal da criança. Na fase de pesquisa clínica, cerca de 1.400 crianças foram estudadas, em diversos estados americanos. Não houve diferença nos eventos adversos para os dois tipos de vacinas. O evento adverso mais relatado foi irritabilidade entre todos os grupos e cerca de 10-15% apresentou febre, diarreia e vômitos, todos autolimitados. Durante o estudo, 70 bebês foram hospitalizados, mas apenas uma dessas hospitalizações foi atribuída à vacina. Foi de um bebê de 2 meses, internado por 48 horas, 5 dias após a primeira dose, com um quadro de gastroenterite, que se resolveu sem nenhuma sequela. Além disso, sangue nas fezes foi relatado em 33 pacientes e entre estes, 14 supostamente atribuídos à vacina, todos resolvidos sem sequelas. Um caso de invaginação intestinal foi relatado, 91 dias após a última dose, não tendo sido relacionado à vacina. Outros eventos adversos gastrointestinais relatados com as vacinas: flatulência em 2,2%, hematoquezia 0,6%. A hematoquezia em si é um evento adverso raro, na maioria os casos de resolução benigna e autolimitado, não sendo fator para contraindicar doses subsequentes, entretanto deve ser acompanhada de perto pelo Pediatra até a sua resolução e ter manejo individualizado, sempre considerando outros fatores associados (histórico pessoal e/ou familiar de alergias, exposição alimentar, etc.). Mais de 60.000 crianças participaram dos estudos de fase III, pré- licienciamento, de cada uma das vacinas, demonstrando novamente a eficácia e o perfil de segurança das vacinas rotavírus.
Intussuscepção e a vacina
Em 1999, a vacina RotaShield®/Pfizer, primeira vacina contra o rotavírus licenciada no mercado norte americano, teve seu uso suspenso após a detecção de aumento de casos de invaginação (intussuscepção) intestinal – vigilância pós-comercialização. Como consequência aumentou-se o rigor nos testes clínicos pré e pós-comercialização das novas vacinas rotavírus. Em 2011, em publicação de Patel MM et al, um estudo de vigilância pós vacinação no México e no Brasil , publicado no New England Journal of Medicine, mostrou um aumento dos casos de invaginação intestinal após a introdução da vacina monovalente, de 1 caso a cada 51.000-68.000 bebês vacinados. Houve uma morte no México e duas no Brasil por invaginação até 7 dias após a vacina, principalmente após a segunda dose. Porém, a vacina preveniu em torno de 80.000 hospitalizações e 1.300 mortes a cada ano nos dois países, o que conclui que a sua efetividade supera um eventual risco de invaginação intestinal ou morte entre os vacinados. Fernandes EG et al, em outro estudo de vigilância, publicado no Jornal de Pediatria em 2016, observaram que os casos de intussuscepção em 2007 (n = 26) e 2008 (n = 19) não foram maiores que média anual (31, faixa de 24-42) durante os anos-base de 2001-2005. Os autores sugerem que embora não tenha sido observado aumento de intussuscepção no período, a vigilância desse agravo é fundamental e deve ser reforçada.
Leia mais informações em: http://sbim.org.br/images/files/nota-sbim-asbai-sbp-rotavirus08022017.pdf?platform=hootsuite