A doença meningocócica continua sendo fonte de preocupa-ções em todo mundo. Epidemias são periodicamente registradasem países desenvolvidos ou não. Os meningococos de maiorincidência são os pertencentes aos sorogrupos A, B e C.Desde a década de 40, investe-se no desenvolvimento devacinas eficazes contra a doença. Atualmente, são disponíveisvacinas contra os menincocos dos sorogrupos A, C, Y e W-135.Estas vacinas tem limitações tanto em relação a faixa etária em queconferem proteção, como ao tempo de duração da proteçãoconferida. Por isso não são produtos eficientes para a erradicaçãoou mesmo para o controle eficaz da doença. Não são utilizadas derotina em programas de vacinação. São indicadas apenas emsituações de risco, o que exige vigilância epidemiológica rígida dadoença.Não há vacinas comprovadamente eficazes contra os menin-gococos do sorogrupo B, embora, nas últimas décadas, váriastenham sido testadas.Há perspectivas de grandes avanços nesta área, principalmen-te com o desenvolvimento de vacinas conjugadas, à semelhançada vacina contra o Haemophilus influezae do tipo b.A quimioprofilaxia dos comunicantes íntimos de um caso é aprincipal arma para evitar a ocorrência de casos secundários.J. pediatr. (Rio J.). 1995; 71(2):62-66: doença meningocócica,vacinas anti-meningocócicas, quimioprofilaxia.
Epidemiologia da doença meningocócicaA doença meningocócica continua sendo uma importan-te causa de morbimortalidade em todo mundo. A Neisseriameningitides, um diplococo Gram-negativo, é responsávelpor incidências endêmicas e, periodicamente, por epidemi-as. Há nove sorogrupos diferentes de meningococo: A, B, C,D, X, Y, Z, 29-E e W-135. Os sorogrupos são, ainda,divididos em sorotipos. A identificação do sorogrupo édeterminada por polissacárides celulares e a dos sorotipos,pela membrana proteica externa. Somente os sorogrupos A,B e C foram, até o presente, relacionados a epidemias.A incidência da doença meningocócica é maior noinverno; tanto a incidência, quanto a letalidade, são maioresquanto menor for a faixa etária.Há muitos anos existe uma ampla zona de incidênciaelevada de doença meningocócica na região sub-saharianada África central, causada pelo meningococo do sorogrupoA. Mais recentemente, epidemias causadas por este agenteforam identificadas no Nepal, Índia, Etiopia, Sudão e outrospaíses africanos1,2.
Não existe uma explicação definitiva para a não ocor-rência de epidemias pelo meningococo deste sorogrupo emoutras regiões. Nos EUA, a aquisição natural de anticorposcontra o sorogrupo A ocorre bem mais cedo que a aquisiçãode anticorpos contra o meningococo C; aos 18 meses deidade, mais de 90% das crianças têm anticorpos contra osorogrupo A, enquanto que, para o C, esta proporção somen-te é atingida entre 6 e 8 anos de idade. Como a incidência dedoença meniningocócica causada pelo A é muito baixa,supõe-se que a imunidade natural seja adquirida por reaçãocruzada devido à exposição a outros antígenos1.Atualmente, os meningococos dos sorogrupos B e C sãoresponsáveis pelo maior número de casos de doença menin-gocócica em praticamente todas as demais regiões do mun-do, causando um número significante de epidemias e/ouóbitos (Noruega, Itália, Canada, Cuba, Chile, etc)1,2,3,4.As epidemias causadas pelo A são as mais graves,determinando altas taxas de incidência em períodos relati-vamente curtos. As decorrentes dos sorogrupos B e C nãoatingem altas incidências mas são mais prolongadas; naNoruega, por exemplo, a epidemia causada pelo B persistiupor cerca de 15 anos, entre 1975 e 19914.No Brasil, o B e o C são, atualmente, responsáveis pelamaioria dos casos de doença meningocócica.No Estado de São Paulo, ocorreu uma grande epidemiade doença meningocócica na década de 70, e está ocorrendooutra, localizada na região da Grande São Paulo, desde 1988(tabela 1). A incidência e a duração destes dois quadros sãobem diferentes. A primeira epidemia foi causada, no início,pelo C e teve um pico explosivo no ano de 1974, causadopelo A. Nesta ocasião, a incidência na região da Grande SãoPaulo chegou a aproximadamente 180/100.000 ou, em ou-tros termos, foi em torno de 100 vezes maior que nos anosendêmicos. A atual epidemia, que teve início em 1988, écausada principalmente pelo B, embora também haja umcomponente importante do C. Até agora, o ano de maiorincidência foi 1990, quando chegou a 5,39/100.000, corres-pondendo a cerca de 3 a 4 vezes mais que nos anos endêmi-cos.Vacinas – DesenvolvimentoTentativas para desenvolver vacinas anti-meningocóci-cas datam da década de 40. As primeiras vacinas foram debactérias mortas. Durante os anos 40, vários investigadoresdemonstraram, em pesquisas de laboratório, que anticorposcontra polissacárides celulares eram capazes de conferirproteção a ratos. Entretanto, preparações purificadas destespolissacárides não foram capazes de induzir resposta emvoluntários humanos. Com o aparecimento da sulfonamidae o uso, tanto no tratamento como na prevenção da doençameningocócica, o desenvolvimento de vacinas foi relegadoa segundo plano. Em 1963, cepas do meningococo B resis-tentes à sulfonamida disseminaram-se nos EUA, primeiroentre os militares e, depois, na população civil em geral. Em1968, foram identificadas cepas do C, nos EUA, e do A, emvários outros países, também resistentes à sulfonamida, o que reativou os esforços em busca da vacina anti-meningo-cócica1.Estudos sobre a imunidade humana e a doença meningo-cócica tiveram início no Walter Reed Army Institute ofResearch por Goldschneider, Gotschlich e Artenstein. Elesdemostraram a relação entre susceptibilidade à doença me-ningocócica e ausência de anticorpos bactericidas. A partirdo conhecimento que anticorpos circulantes contra os polis-sacárides capsulares grupo-específicos conferiam resistên-cia contra a doença meningocócica, o desenvolvimento devacinas passou a se concentrar no isolamento e purificaçãode polissacárides de alto peso molecular de meningococosdos sorogrupos A, B e C. O polissacáride purificado do B nãoé imunogênico para o ser humano, possivelmente pelasimilaridade com antígenos dos grupos sanguíneos ou comoligossacárides do sistema nervoso central. Entretanto ospolissacárides dos sorogrupos A e C foram utilizados comsucesso. Em seguida, antígenos polissacarídeos capsulares dos sorogrupos Y e W-135 foram isolados e se mostraramimunogênicos1,3,5.Vacina contra o meningococo do sorogrupo CEm adultos voluntários, o pico do título de anticorpos éobtido cerca de 2 semanas após a aplicação da vacina e, emcrianças, ocorre entre 3 e 4 semanas. Entre crianças, a idadeé o principal fator determinante da resposta. A concentraçãomédia de anticorpos anti-C .
Aos 3 meses, a maioria das crianças não tem maisanticorpos maternos detectáveis e poderia responder à vaci-na, mas, neste grupo, a resposta máxima obtida é de cerca de2% da dos adultos. Por volta do segundo ano de vida, acriança vacinada atinge um nível médio de anticorpos decerca de 10% do atingido pelo adulto. A persistência deanticorpos em adultos, após uma dose da vacina, é de 30%do pico máximo depois de quatro anos. Em crianças meno-res de um ano, a queda do nível de anticorpos ocorre entre 3a 5 meses. Em crianças maiores, a persistência é um poucomais prolongada, mas os níveis séricos também apresentamqueda contínua1.Não se observa efeito “booster” em adultos quando umasegunda dose de vacina é aplicada entre 10 a 14 dias ou 8meses após a primeira dose. Uma nova dose de vacinaaplicada três anos depois, em crianças de 2 a 11 anos,determina o aumento da concentração de anticorpos a níveissemelhantes aos encontrados após a primeira dose, masefeito “booster” não é observado. Dependendo da dose devacina e do intervalo entre as duas doses, há evidências,tanto em adultos como em crianças maiores de 1 ano, deresposta menor à segunda dose, quando comparada com aprimeira. O período em que este fato ocorre não é maior queum ano, e a causa não é conhecida.De acordo com as informações hoje disponíveis, não seconhece o nível mínimo de anticorpos anti-C necessáriopara conferir proteção contra a doença meningocócica cau-sada pelo C1.
Estudos em recrutas, nos EUA, mostraram eficácia de90% da vacina. Estudo feito durante a epidemia de 1974, emSão Paulo, mostrou eficácia de 75% na faixa etária de 25 a36 meses, mas não houve proteção entre 6 e 23 meses. Emgestantes, também em estudo feito durante a epidemia de1974 em São Paulo, a vacina teve boa eficácia e nãoocasionou reações adversas importantes1,6.Pelas informações disponíveis até o presente, e depen-dendo da análise do quadro epidemiológico, a vacina poderáser indicada para a população maior de 2 anos e a revacina-ção entre 2 e 4 anos para crianças e entre 6 e 8 anos emadultos1,2,3,7.Vacina contra o meningococo do sorogrupo AA concentração de anticorpos contra o meningococo dosorogrupo A, em resposta à primoimunização, está indicadana tabela 3.A imunização primária contra o A, aos 3 meses de idade,não resulta em aumento detectável de anticorpos. Com 1 anode idade, a concentração média de anticorpos anti A é de 4%da concetração média dos adultos; entre 6 e 8 anos é de 25%.Em crianças acompanhadas durante um ano, nota-se que aconcentração de anticorpos anti A, após atingir o nível maisalto, sofre uma queda e em seguida mantém-se estável, aocontrário da concentração dos anticorpos anti C que conti-nua em queda. Diferenças importantes também são observa-das em relação ao efeito “booster”. Crianças que recebem aprimeira dose aos 3 meses de idade podem mostrar respostasignificativa a uma segunda dose aplicada aos 7 ou 12meses1.Não se conheçe a concentração mínima de anticorposcapaz de conferir proteção, mas a boa resposta à segundadose e os diversos estudos já realizados sugerem que a atualvacina contra o A previne a doença em crianças menores de2 anos. A duração da proteção não é conhecida; em maioresde 4 anos, há estudos indicando a persistência de anticorposem níveis protetores por pelo menos 3 anos; nos menores de4 anos, possivelmente esse período é menor1,7.
Quando houver indicação da vacina, o esquema preco-nizado é de duas doses para as crianças entre 3 e 24 mesesde idade, com intervalo de 3 meses entre as doses. A partirde 24 meses, é recomendada apenas uma dose. Em áreas dealto risco, é recomendada a revacinação a cada dois anospara as crianças menores, a cada 4 anos para as maiores eadolescentes e a cada 6 a 8 anos para adultos1,2,3,7.É importante salientar que pode haver diferenças deimunogenicidade entre os diferentes lotes de vacina contrao A. Lotes de vacinas com peso molecular médio menor que50.000 induzem a uma concentração de anticorpos anti Asignificantemente menor do que a dos lotes que têm pesomolecular médio maior que 80.000. Falhas em campanhasde vacinação foram atribuídas a conservação deficiente davacina, ocasinando a despolimerização do polissacáride etransformando-o numa forma não imunogênica, de baixopeso molecular1.Vacinas contra os meningococos dos sorogrupos Y e W-135Estudos realizados em crianças normais, entre 2 e 12anos de idade, vacinadas contra os meningococos do soro-grupo Y e W-135, mostraram altas taxas de soroconversão,acima de 95%, e persistência da concentração de anticorpospor pelo menos um ano. Em menores de 2 anos, os resultadosda vacinação são mais discretos; não se conhece a eficácia davacina quando aplicada em larga escala1,2,7.Vacina contra o meningococo do sorogrupo BA Neisseria meningitides do sorogrupo B é um dosprincipais agentes causadores de epidemias de doençameningocócica nos países desenvolvidos; por isso existemmuitas pesquisas visando o desenvolvimento de uma vacinaeficaz contra esta bactéria. Como o polissacáride capsular doB é pouco imunogênico, os pesquisadores têm utilizadoproteínas da membrana externa (OMP) nessa tentativa5.Uma vacina desenvolvida por Zollinger e Moran, doWalter Reed Army Institute of Research, foi testada emIquiqui, Chile, apresentando eficácia de 50%5.Outra vacina, desenvolvida por pesquisadores norue-gueses, contendo além de OMP, proteínas de alto pesomolecular, foi testada na Noruega. A eficácia foi de 57%5,8.Em 1989 e 1990, foi aplicada, na região da Grande SãoPaulo, uma vacina produzida em Cuba, contra o sorogrupoB. O objetivo era controlar a epidemia nesta região, queestava ocorrendo desde o ano de 1988. A vacina já estavasendo utilizada há alguns anos em Cuba, apresentandoresultados promissores. Continha, além de OMP, lipopolis-sacárides, complexos protéicos de alto peso molecular e opolissacáride capsular do C, levando, portanto, ao desenvol-vimento de anticorpos também contra esta bactéria.Um estudo caso controle foi realizado nos anos de 1990e 1991 para estimar a eficácia da vacina. Os resultados foramdiferentes, de acordo com a faixa etária: em crianças comidade acima de 48 meses, foi de 74% (intervalo de confiança16% a 92%); para crianças na faixa entre 24 e 47, meses foi de 47% (intervalo de confiança -72% a 84%) e, em menoresde 24 meses, foi de -37% (intervalo de confiança -100% a73%). O resultado sugere que a vacina pode ser eficaz paraa prevenção da doença meningocócica causada pelo B, emcrianças maiores de 4 anos e em adultos9.Embora estes resultados sejam encorajadores, novosestudos ainda são necessários.Indicação de vacinas contra a doença meningocócicaAs vacinas contra a doença meningocócica não devemser indicadas de rotina, devido ao pouco impacto que causamna incidência da doença quando o risco de infecção é baixo.Porém, devem ser indicadas quando aumenta o risco dadoença. O momento da indicação da vacina tem sido objetode muitas discussões e controvérsias; reside aqui uma dasdecisões mais difíceis de ser tomada em relação ao uso devacinas, não só no nosso meio, mas em qualquer lugar ondeocorre a doença, sobretudo quando há casos fatais. Emprincípio, uma campanha de vacinação deve ser desencade-ada quando há risco de surto ou epidemia, visando impedirseu desenvolvimento. Para isso, é necessário um sistemapermanente de vigilância epidemiológica da doença e oisolamento e a identificação das cepas incidentes na região,fator fundamental para que se possa indicar a vacina adequa-da e/ou outras medidas1,2,3,7.Outro fator importante que deve se ter em conta é aexpectativa em relação aos resultados da vacinação emmassa. No região da Grande São Paulo, duas grandes cam-panhas foram realizadas, em 1990 e 1991. A primeira, jácitada, com a vacina cubana contra os meningococos dossorogrupos B e C e a segunda só com a vacina contra o C, deprodução nacional, num momento em que crescia a incidên-cia de doenças causadas por este agente. Apesar das grandescoberturas atingidas, acima de 95%, e da ampla faixa etáriavacinada, até 19 anos, a incidência da doença não voltou aosníveis endêmicos (figura 1), o que aponta para a existênciade outros possíveis fatores limitantes da eficácia da vacinacontra o C, além dos conhecidos, como o curto prazo deproteção e a falta de eficácia em crianças pequenas, faixa demaior risco.PerspectivasVacinas conjugadas contra o meningococo são ansiosa-mente aguardadas, pois representarão o fim de todo essedilema. A exemplo da vacina contra o Haemophilus influen-zae tipo b (Hib), acredita-se que será eficaz a partir dosprimeiros meses de vida e deve conferir proteção por longosprazos, ou até mesmo, permanente. Vacinas conjugadascontra o B e o C já foram anunciadas por pesquisadores doNational Institute of Health, Bethesda; esta mesma equipefoi responsável pelo desenvolvimento de uma das vacinasconjugadas contra o Hib10.Outras medidas de controle: quimioprofilaxiaNunca é demais citar a quimioprofilaxia. Em situação deendemia, o risco de casos secundários entre comunicantes domiciliares, de creches e de pré-escolas, é cerca de 300 a400 vezes maior que o risco da população geral. Para oscomunicantes casuais, incluindo as crianças maiores quefreqüentam a mesma sala de aula e adultos no local detrabalho, o risco é o mesmo da população em geral. Por isso,a quimioprofilaxia só está indicada para os comunicantesíntimos do caso, que compartilham a mesma residência oudomicílio coletivo (quartéis, orfanatos, internatos, aloja-mentos e outros), comunicantes de paciente de creches oupré-escolas ou pessoas que tiveram relação íntima e prolon-gada com um paciente, possibilitando o contacto com bac-térias presentes nas secreções orais11,12.A quimioprofilaxia deve ser a mais limitada possível,evitando-se o pânico e indicação a pessoas que não seenquadrem na definição de grupo de risco, conforme defini-do acima.A droga de escolha é a Rifampicina, que deve seradministrada a cada 12 horas, durante dois dias, na seguintedosagem:Crianças menores de um mês: 5mg/kg/dose.Crianças maiores de um mês: 10 mg/kg/dose (dosemáxima de 600 mg).Adulto: 600 mg/dose (12).
Fonte:
http://www.jped.com.br/